quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Revelia


Não consigo fingir
O olho antigo
O olho que ama
Este que é muito mais velho que a história das estrelas

Porque quando olho
É pra sempre.
Quando vejo e pouso
Nada mais em mim resiste
A não ser a falta de esperança

Sol,
Sou janela.
Mas preciso me transformar
Naquele que parte e que deixa um bilhete
Volto logo, volto já.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Canção do Atraso


Ah, aquele sonho,
Mantenho guardado.
Talvez ele morra esquecido
E eu também morra, sem remorso
Por não o ter realizado.

Talvez eu fique
Alerta até o fim
Esperando aquela luz
Que indique
Que ele caminha pra mim,

Aquele sonho.
O mesmo que eu mantenho guardado
Tão simples, branco, risonho,
Que muito mais que um sonho
É um princípio, um estado

Entre felicidade e melancolia:
Aquele sonho que quem sabe
Eu realize um dia.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Recado


te esperando
Me irritariam as coisas coloridas 
cheias de alegria.

Quando chegares
Estarei imensamente ausente.

Te Digo


Sou então, indo.
Porque estou
Um estranho movimento.
Quero reparar, cheio de inveja,
Todas as coincidências
E vexames do amor.

Não sou mais
Nenhuma palavra de fogo e carne que me foi dada
Pois
O paraíso se alcança dormindo
Nunca no beijo – ai, coração.

Levarei após minha morte
Instantes impublicáveis
E uma caixa cheia de brinquedos.

Sou - indo -  este segredo fácil, desvendável
Um louco no tráfego
Um velho lançado ao mar.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Salmo


Só através de Deus se conhece o amor,
E possivelmente, amar.
Quem amaria mais
Do que Ele
Para deixar que seu Filho
Fosse pendurado na cruz?

Por quem, Pai,
Fizeste isto?
Pelos mentirosos, pelos traidores,
Pelos ladrões, pelos assassinos...
Pelos egoístas e vingativos.
Pelos impiedosos. Pelos preguiçosos e cheios de ira.
Pelos dissimulados.

Então começa a chover à tarde,
Quando o calor é quase insuportável.
De repente tudo fica ameno, eu penso:

Também pelos poetas.
Pelas crianças, por todas elas.
Pelos benfeitores também, pelos heróis.
Por causa dos pacíficos,
Dos mansos e bondosos,
Pelas mães – obrigado meu Pai –
E pelos humildes.

Pelos que não tem quase nada nessa vida,
Mas mesmo assim sempre tem algo a dar ao outro.
Deste teu Filho Amado, meu Pai,
Pelos que choram.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Vasto


A vida é curta
A alma, imensa.
Bem aventurados os que vagam
Nessa desproporção chata.

Queria que um dia com seus vários sóis coubesse no meu bolso
E meus olhos sangrassem rios
A alma é imensa

Queria tanto contigo e de ti
Meus amigos minha mãe meu amor
Queria mais tempo com as borboletas
A vida é curta

Desisti de ser sozinho
Mesmo sabendo que a morte é só solidão
Sei do Eterno
Minhas palavras, tudo que eu sinto

É pouco
E infinito.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Calisto


Ontem sonhei que eras
Estrela
Um titã sentado em uma nuvem
Vendo-me lavrar a terra
Para ter o que comer

Sonhei que eras
Um deus
De uma mitologia morta
O meu amor

Certa altura
Eu te conheci e adorei
Tua presença
 
No fim
morri ateu.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Profecia


E do amor ressurreto
Renascerão também fé e esperança
E delas aqueles olhos
Dos quais nenhuma luz escapa
E nos quais eu não cansarei de mergulhar

Não há religião tão grandiosa
Quanto a que dedico estes versos.
No futuro, um amor maior
Do que um tranquilo e provisório universo
Destas cinzas nascerá
Ainda que seja outono, tão tarde.
Ainda que seja velho
De tão longe e, mais bonito.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Náutico

Não vou me barbear porque
Parto daqui a pouco, atrasado.
Nem vou dizer-te por carta
Que fui ou sou mais ou menos infeliz
Como esperas que eu faça.
Mal tenho tempo pra amar
O azul infinito que se descobre ao som de apitos, gaivotas.

Só me resta tempo pra ver o mar.
Contar umas ondas
Ver as conchas brancas
Como de costume
Sorrir para os caranguejos esbranquiçados
Que correm atrapalhados pela areia.

Tenho tempo de dizer por escrito
Na maresia:
“Um dia te amarei tanto,
Mas tanto,
Que afogarei inteiro este oceano
Em meu peito.”

Só tenho tempo pra mais um poema
E eis que ele demora toda a maré
Pra ficar intimamente pronto
Como um cais sempre em construção.

Deito teu perfil imaginado em meu colo,
com meus dedos cuidadosos, queimados pelo poente.
E não tenho tempo pra mais nada – ver-te dormindo:
Mansidão do infinito numa única e atrasada onda
De espuma.

Tardio


Não preciso de mais nada pra desejar-te impossível
Na janela fechada de teus possíveis olhos
desejo-te indisponível.

 Na tua sombra
Ora orvalho, ora flor
Que há o medo do nunca mais
De não precisar mais de tanto mar
Nem de morrer de tanto pouco amor.